O Sorriso da Lua
Na tardezinha mora o perigo. O corpo de Elisa se inquietava à medida que a rotina ia se acabando, como se o final da tarde trouxesse um desafio silencioso: escolher entre o confortável ou o necessário. Era como uma mulher que, depois do trabalho, decide se fará a janta, ou como o jovem que hesita entre o caminho da faculdade e o de casa. Para Elisa, aquele era o momento de decidir: sair para a corrida ou esperar pelo próximo dia. "Farei apenas um aquecimento, corro amanhã", dizia a si mesma, tentando se convencer. Mas logo o coração acelerava o pulso, as pernas pediam o inclinado da ladeira, e os pulmões reclamavam o ar fresco da tarde. A mente, inquieta, buscava o alívio de fugir de si mesma.
Então ela ia. Calçava os tênis pretos, ajustava os fones de ouvido — onde a melodia de Cello Suite começava a tocar — e se preparava para o trote. Quando o sangue esquentava no ritmo ainda pesado, seus olhos percebiam o céu, as árvores, as cores de outono colorindo a paisagem e, finalmente, a lua. Ah, a lua! Aquela brisa de outono a envolvia, a palmeira parecia posar para uma fotografia, e a meia-lua, como um sorriso ainda branco do clarão do dia, brilhava serena. Sentindo os cabelos baterem na pele ao passo, Elisa pensava: "Se Deus existisse, seria apaixonado por mim". A ideia a fazia rir de tão absurda, mas, no fundo, falava sério. A lua, como testemunha, não a deixava mentir. Por que essa entidade lhe dera aqueles olhos em HD, famintos, vorazes? Aquele coração espaçoso, esperançoso e ardente que, diante de toda beleza, se sentia elucidado? Um coração que não sabia diferenciar entre beleza e criação e que, pela criação, amava ou odiava o criador. Talvez, por obra do destino, ela tivesse sido feita para ser os olhos e o coração de algo maior.
Aos poucos, o céu escurecia, e o timer do relógio se aproximava do alarme. Ao ver o céu escurecer, aquela ânsia de fugir também se apagava, retornando gradativamente ao banal e deixando o divino no brilho da lua que surgia, impedindo-a de enxergar sua brancura. O sorriso da lua se alargava enquanto o céu escurecia devagar, sem pressa, sem receio. A respiração de Elisa ficava cada vez mais ofegante; a fome a atingia, trazendo de volta a necessidade carnal, a banalidade dos instintos, a força inevitável da sobrevivência. Sem pensar muito, corria de volta para casa, arrancava as roupas e ligava o chuveiro externo. A água gelada sempre aliviava nesses momentos, não o corpo, mas a alma violenta. Saía do chuveiro como quem recebera um passe em um terreiro: abençoada, renovada. A vida, pensava ela, era divina.
Naquela noite, quando a hora do jantar chegou, Elisa serviu a mesa com a alegria de menina e o cansaço de mulher. Reparou no sabor da manteiga e na textura do frango; o corpo, aos poucos, se aquietava com um convite silencioso: o descanso. E dormiu com o coração agitado, porque amanhã seria noite de lua também.
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