O Último Jardim

 


Dona Helena sempre viveu com intensidade. Amava a poesia como quem respira, dançava ao som de qualquer melodia e encontrava beleza até nos dias nublados. Formada em Letras, passou a vida cercada de livros, ensinando ao filho que as palavras eram janelas para mundos infinitos. Seu amor pela vida era transbordante, uma bênção silenciosa que envolvia sua família.  

Mas agora, aos 85 anos, estava presa a um leito de hospital. Seu corpo, outrora vigoroso, definhava sob o peso de uma doença impiedosa. O brilho nos olhos permanecia, embora ninguém mais parecesse notar.  

Seu filho, Gustavo, a acompanhava sem real comoção. Não era crueldade, apenas um distanciamento prático que a idade da mãe lhe impunha. Para ele, Dona Helena já estava há muito na curva final da vida. E agora, diante da inevitabilidade, apenas aceitava.  

Uma emergência a levou à UTI. O hospital fervilhava em protocolos e pressa. Entre médicos e máquinas, Gustavo esperava, resignado. Até que um dos doutores o chamou para uma conversa reservada.  

— Seu Gustavo, há um novo tratamento com grandes chances de recuperação. Sua mãe foi incluída no programa, e os custos já foram cobertos. Podemos começar imediatamente.  

O filho hesitou. Seu olhar era frio, desprovido de esperança.  

— Doutor… todos temos nosso tempo. Esse é o tempo da minha mãe.  

O médico franziu a testa, como se tentasse decifrar se aquilo era sabedoria ou covardia. Gustavo apenas suspirou, sentindo que fazia o certo.  

Enquanto isso, no mundo silencioso onde sua mente ainda era livre, Dona Helena via algo que ninguém mais via. O hospital ao seu redor desaparecia, e em seu lugar, estava seu jardim.  

As roseiras se curvavam ao vento, a lavanda exalava perfume doce, e o sol dourava as folhas das amoreiras. Seus pés descalços tocavam a terra morna. Tocavam. Sim, ela sentia a vida pulsando ali.  

Queria ver seu jardim mais uma vez.  

Queria sentir a brisa, ouvir os pássaros, tocar as pétalas úmidas do orvalho da manhã.  

Mas seu corpo não respondia.  

Na sala ao lado, Gustavo assinava papéis. Autorizava que a natureza seguisse seu curso.  

Dona Helena continuava no jardim. Sabia que talvez nunca mais voltasse para ele, mas ali, mesmo entre sombras, sorriu. Porque, mesmo diante da morte, ainda havia vida dentro dela.

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