O Cheiro da Partida
Era tarde, e o sol poente lançava uma luz alaranjada que atravessava as cortinas finas do quarto, tingindo as paredes de um tom quente e melancólico. Luís arrumava a mochila com gestos desajeitados, como se cada peça de roupa jogada dentro dela carregasse o peso da decisão que martelava em seu peito. A mochila, nova, comprada especialmente para visitar Luiza, exalava um leve aroma de tecido fresco, misturando-se à agitação de uma mudança repentina. Era o cheiro do novo encontrando o impulso que o fazia querer fugir sem olhar para trás.
Pensou em ligar para Luiza, contar que havia decidido partir, mas a imagem de mais uma briga, de mais um confronto verbal, o fez hesitar. "Melhor assim", murmurou para si mesmo, tentando convencer-se de que o silêncio era a escolha certa. Abriu o guarda-roupa, e o aroma de roupa lavada o envolveu, trazendo uma onda de memórias que ele preferia evitar. Sentou-se na cama, tomado por uma tontura súbita, como se o peso das últimas semanas o tivesse atingido de uma só vez. "Se eu demorar mais, não vai fazer diferença", pensou. Luiza só chegaria depois das oito.
Mas o cheiro do guarda-roupa o traiu. De repente, ele estava de volta aos momentos com ela. Luiza, com aquele ar desafiador que o desarmava, aquele olhar que parecia enxergar através de suas inseguranças. Quantas vezes ele havia dito coisas que não deveria, movido pelo medo de não ser suficiente? Quantas vezes tentou manipulá-la, controlá-la, acusá-la, só para sentir que tinha algum poder sobre o que sentiam? E ela, com sua voz firme e olhar sincero, dizia que o amava, mas nunca caía em seus jogos. Luiza o forçava a encarar a vida sem máscaras, e isso era demais para Luís. O amor, tão cru e verdadeiro, o deixava vulnerável, exposto, com um medo que ele não sabia nomear.
Fechou os olhos, o celular pesado na mão. Pensou em mandar uma mensagem, provocar mais uma discussão, mas sabia que ela cortaria qualquer tentativa de drama com sua lógica afiada. Luiza era fria, precisa, um lago calmo que refletia tudo com clareza. Luís, por outro lado, queria o caos, o mar revolto, a paixão que doía e consumia. Eles nunca haviam se encontrado de verdade, mesmo agora, na primeira vez que dividiam um quarto.
Luiza morava a 400 quilômetros de Luís, uma distância que já parecia um abismo antes mesmo de se conhecerem. Quando decidiram que ele ficaria alguns dias, ele insistiu em levá-la a restaurantes caros, falando sobre economia, política e planos para o futuro, como se pudesse impressioná-la com sua seriedade. Ela ria, um riso que parecia debochar da superficialidade dele, e tentava puxá-lo para conversas mais profundas — sobre a vida, as dores, os amores passados, a arte. Luís se esquivava, desafiava-a, falava de casamento e divórcio como quem joga uma isca. Certa vez, já irritada, ela o interrompeu: "Você pensa em casar comigo?" Ele empalideceu. Ela sorriu, maliciosa. "Porque estou há meia hora ouvindo você falar sobre isso." Ele tentou virar o jogo: "E você, pensa em casar comigo?" E ela, com um olhar que misturava sinceridade e provocação, respondeu: "Sim, se eu casasse, seria com você."
Luís abriu os olhos, puxado de volta ao presente pelo som distante de um carro na rua. Olhou o guarda-roupa, a mochila, o quarto que parecia vazio mesmo estando cheio. "Que horas são?", pensou, ansioso. Se fosse cedo, poderia encontrar alguns amigos, tomar uma cerveja, fingir que estava tudo bem. Levantou-se, fechou a mochila com pressa, sem deixar bilhete, mensagem ou qualquer sinal de que esteve ali. Entrou no carro, ligou o som — Bruno e Marrone ecoando no fundo — e partiu, a estrada se desenrolando à sua frente como uma promessa de liberdade. Talvez ele voltasse. Talvez ela ligasse, como fizera tantas vezes depois de suas brigas, trazendo-o de volta ao juízo. Talvez.
Luiza, enquanto isso, chegou em casa às oito e meia. Abriu a porta e sentiu o vazio antes mesmo de ver as evidências. Sua intuição, sempre afiada, já sabia. Caminhou até o guarda-roupa, abriu a porta e confirmou o que seu coração já havia entendido. Em um movimento fluido, pegou o celular, bloqueou o contato de Luís e foi para a cozinha. Enquanto preparava a janta, o cheiro de temperos preenchia o ar, apagando o aroma da mochila nova e a presença fugaz de alguém que nunca soube ficar.
Comments
Post a Comment